terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Itapissuma, 14/01/2010

Antes de tudo venho agradecer publicamente ao meu amado e paciente marido, que tem me ajudado em todos os difíceis e duros momentos dessa investigação, além de estar me sustentando financeiramente, pois como todos sabem, estou trabalhando sem bolsa nem financiamento nenhum, a pesquisa é muito extensa e não tenho como trabalhar, pois dependeria de um trabalho muito flexível, que me permitisse realizar a pesquisa nesse curto espaço de tempo.

Agora, ao trabalho.

Uma quinta-feira oito da noite, depois de um dia inteiro de trabalho pego meu marido e arrasto com ele para Casa Caiada, Vamos gravar o show da Banda Kitara em Itapissuma, o propósito é gravar toda a mobilização de antes durante e depois do show. As pessoas começam a chegar, bailarinos, músicos, técnicos, amigos... Na van 16 pessoas, apinhadas umas em cima das outras, além de mim e de Ricardo que vamos em pé. Logo atrás seguem mais dois carros cheios de instrumentos, e gente, no total umas 22 pessoas da banda.

Todos seguem a risca as ordens do produtor, dono, e vocalista da Banda, são extremamente profissionais. Estão animados vai ser um show grande. Pela primeira vez tiveram im camarim só para eles com direito a bandejas de frutas, frios, água e refrigerante e disseram que eu sou “pé quente” e estava trazendo sorte a eles.

Havia muita gente e tudo funcionou muito bem, era a primeira vez que eles faziam uma apresentação para uma prefeitura, era a festa da Buscada de São Gonçalo e as atrações foram escolhidas democraticamente numa consulta popular. O Público elegeu o Brega.

Na van fomos conversando e trocando idéias com os integrantes da banda, muitos deles hoje vivem exclusivamente do Brega, pagam suas contas, ajudam seus familiares, constroem suas casas, pagam seus estudos. Alguns tem outras fonte de renda, mas fazem questão de valorizar a ajuda financeira conseguida com os shows.
Ganham pouco, bailarinos ganham R$30,00 por apresentação, músicos entre R$50,00 e R$80,00, fazem uma média de três a cinco apresentações por semana, o que dá em torno de um salário mínimo.

O pátio de eventos está cheio as pessoas dançam e aproveitam o momento de descontração sem se importar com o que os outros estão pensando, a dança é sensual, quase sexual, as vezes tão lenta que parecem não se mover, apenas esfregar-se. As caras de prazer também se revelam em movimentos de sobe e desce das mulheres nas pernas dos homens. Não tem idade, não são exatamente o que se podem chamar de bonitos, seus corpos não são perfeitos, seus cabelos não são lisos, suas roupas não são de grife, nos pés a maioria leva chinelos. São populares no real sentido da palavra e pouco se importam com o que a cultura oficial pensa do Brega que eles tanto gostam de ouvir e de dançar. Estão lá e nesse momento eles são o centro, e eu a periferia, deslocada e impressionada com a força daquelas cenas.

De repente uma confusão. A única presenciada num espaço lotado. O vocalista chama o comando da PM. Abre-se um vão no meio do público. Dois homens jovens se atracam no meio da multidão. A música para, todos ficam em suspense esperando o desfecho da confusão. Um é detido imediatamente, e o outro consegue se desvencilhar de três PMS e sai correndo. Outros PMS se juntam na perseguição e os populares também vão atrás, num breve momento o pátio que havia esvaziado volta a encher e a banda volta a tocar exatamente de onde parou: _ Fazer o “P”, fazer o “P” fazer o “P” não faço ideia do que significa fazer o “P”. Seguem. O show dura em torno de duas horas, e acaba as 01:45h da madrugada. Desmontam-se os instrumentos, tiram os figurinos, se apertam nos carros e retornamos. Que noite! Fiquei acabadaça, e imagino o quanto meu marido se lascou, chegamos em casa quase as 04:00h da matina e eles levantou as 06:30h pra voltar pro batente. Tenho mesmo que agradecer, ele me faz lembrar uma música de Zeca Baleiro:
Por ela vou pro rock ,vou pro samba, vou pro funk, vou pra tudo que é balada
Enfrento qualquer parada por Jesus caí no blues
Por ela faço tudo nessa vida insana
Quase tudo pois me falta grana , grana

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Banda Kitara





Casa Caiada, Olinda, esquecida em frente a um supermercado, entrevista marcada para as duas da tarde, faltavam dez pras três e nada de ninguém aparecer... e o pior o número do telefone não estava na memória do celular, Pronto! Viagem perdida. Mas nada estava perdido, se por acaso houvesse uma lan-house por perto, por sorte havia, tenho o contato no e-mail. Finalmente consegui fazer contato, o relógio de parede atrasado marcava uma hora menos e meu entrevistado estava em casa.

A casa humilde, rua sem asfalto, portão de ferro que dá direto pra rua, na parte da frente do lado esquerdo uma pequena lan-house com cinco computadores, todos ocupados por várias crianças. Do lado direito a porta do pequeno estúdio, na frente um pôster da Banda Kitara, dentro praticamente nada, metade dos equipamentos pertence ao técnico de som que trabalha em vários desses estúdios improvisados. Alguns tripés de microfones, uma parede coberta de espuma, calor...

Me apresento, falo da pesquisa, eles logo perguntam: “_Porque tanta gente fazendo filmes sobre o Brega?”. Já são três, uns meninos de faculdade (meus alunos) fazendo sobre o Brega na classe média, Outro sobre o Conde, e agora esse... Bem esclareço que esse não é propriamente um filme, pelo menos ainda não. È uma pesquisa de doutorado, que possivelmente eu transforme em um documentário, e que é um período de observação nas práticas produtivas e de consumo nos contextos populares onde o Brega está inserido, que vou persegui-los toda a semana, entrevistas, ensaios, shows que cada momento será filmado e tudo será relatado neste caderno de notas.

Monto meus equipamentos, posiciono as luzes, as cadeiras, os entrevistados e um guri, Davi, faz questão de ficar pra ver o que ia acontecer, e aconteceu, esse menino não se aquietou um segundo, pinotou, pateou pelo pequeno estúdio até que conseguiu seu objetivo: meteu a mão na câmera e teve que ser retirado do recinto.

Recomeçamos.

São dois amigos, há vinte anos iniciaram a fazer violão clássico por meio de uma bolsa recebida por ambos, fizeram o primeiro ano depois teriam que pagar e desistiram, não tinham condições, mas queriam permanecer fazendo música. Entraram para uma banda de forró, Forró do Litoral. Vida dura, a época R$ 30,00 por show, muito trabalho e pouca recompensa. Logo pensaram: Vamos botar nossa banda e ser nós mesmos o nosso empresário. Assim o fizeram. São quase 10 anos na peleja e só agora a banda se paga, mas segundo eles: “_ A banda se paga, mas ainda não nos paga.”, tudo que entra é reinvestido em equipamentos, figurino, músicos e bailarinos. São pelo menos 20 pessoas envolvidas na produção, vinte empregos diretos, mais todo um mercado informal em torno deles. Os donos de casas noturnas que promovem shows e que empregam uma média de 50 pessoas por noite, os ambulantes que vendem seus produtos em frente a essas casas, os ambulantes que vendem produtos piratas com suas músicas, as cabeleireiras que fazem unha e escova nas bailarinas e nas vocalistas, as costureiras que se encarregam dos figurinos. Um mercado informal, que não entra em nenhuma estatística oficial, mas que tira muita gente da pobreza e que movimento economicamente as periferias do Recife e Região Metropolitana.
Eles são seus próprios empresários, músicos, compositores e estrategistas. No inicio gravavam 20 CDs e saiam de porta em porta, de rádio em rádio, apenas transferindo as músicas para os playlists das rádios, por não terem condições de deixarem os discos, repassavam nas rádios comunitárias para os DJs reproduzirem, levavam aos pirateiros para fazer cópias, tocar e vender em seus carrinhos nas ruas. Hoje dizem: “_ As rádios comerciais nem pagando eles tocam nossas músicas.” Músicas essas que fazem sucesso nacionalmente em outras bandas, e que hoje eles não recebem praticamente nada de direitos autorais, só direitos de execução, elas são apenas repassadas para outras banda, não se cobra por esse repasse, eles acham que o mais importante nesse momento é a divulgação do seu trabalho. Ai eu pergunto: Como vivem? Dá pra ser independente?

Apressam-se em dizer que sim. Muito embora em moradias humildes com muita gente dividindo o mesmo teto. Elvis mora com a família inteira, mãe que não estudou, não trabalha, não tem pensão, mais dois irmão que também não tinham empregos e alguns sobrinhos, ele sustenta todos, e para os irmãos montou uma lan-house dentro de casa, e outro se tornou divulgador das bandas.

Rodrigo hoje mora só, num apartamento pequeno perto dali, se sustenta e continua sustentando a casa da família. Seu maior orgulho é ter formado um irmão em medicina. “_Dei condições dele ir estudar, por que eu optei por não seguir os estudos, mas ele queria e isso foi muito importante para nossa família. Agora espero poder respirar um pouco, por que vamos dividir as contas, né? Ta na hora de retribuir...” Segundo eles foi muito importante ver a formatura dele a emoção da família e de ver todos aqueles médicos se formando ao som da banda Kitara. “_ Chegamos lá!”

Eles são exemplos de muita luta contra o preconceito, e de acreditar num sonho possível de “dar certo”. Hoje em suas precariedades o único motivo de reclamação é a falta de apoio do governo e das leis de incentivo, é como se fossem invisíveis e que o que fazem não é cultura, “_ A gente não quer brigar, nem tirar nada de ninguém, queremos apenas a oportunidade de ser reconhecidos e poder ser visto pelo governo como cultura. Por que se fizerem uma pesquisa vão ver que o povo gosta de Brega e que considera o Brega uma cultura.”

“_O artista de Brega não é externo ao povo, ele faz parte daquele povo, ele é o povo que deu certo, é admirado por ter conseguido chegar lá”. (Elvis Pires)

sábado, 9 de janeiro de 2010

Retomando os trabalhos


De volta depois do recesso de fim de ano percebi que em nossas vidas estamos sempre recomeçando... a cada dia, a cada segunda, a cada mês, a cada ano... Periodicamente o calendário nos dá a oportunidade de recomeçar, que bom!

Depois de um balanço no que já havia feito começo agora a fase mais dura do trabalho, a fase de literalmente correr atrás dos BregaStars, serão muitas madrugadas em claro.

O mais difícil ainda é ter que trabalhar praticamente só, contando com o imenso apoio que me tem dado meu maridão (que seria de mim sem ele???) e meu filhote (que com toda boa vontade do mundo está entrando numa realidade que antes abominava), ele tem aprendido muito da vida, do respeito a diversidade, e aberto os olhos para preconceitos velados que muitos de nós temos sobre o que não conhecemos.

Tive um choque quando li nos jornais sobre o incêndio no 100% Brasil, lastimável, ali tive os melhores momentos de minha pesquisa junto aos consumidores do Brega, confio que Carlos e sua sabedoria vai conseguir reerguer a casa e retomar suas atividades ainda melhor do que era.

Dia de Brega Fest no Clube dos Fanfarrões, Barra de Jangada, fui lá aventurar, apesar de estar autorizada a gravar, na hora o show o dono da casa empombou e não nos deixou entrar. “_ Grave seu documentário da porta pra fora, dentro da minha casa não!” Fiquei na peleja. _Peraí vamos conversar, não quero filmar seu público (embora quisesse), quero filmar só a banda e o dono da banda já autorizou...


Meia hora depois, mais tranqüilo ele volta, por que eu não arredei o pé de lá... explico novamente o que preciso gravar, explico que já fiz no 100% que Carlos o proprietário foi muito solícito, gentil e generoso, que gostaria inclusive de gravar uma entrevista com ele num momento mais tranqüilo. Ele suspira e nos permite entrar apenas no camarim... Filmamos as trocas de roupa, maquiagem, preparativos, e ainda assim consegui ir até o palco e gravar três músicas meio que escondido. Coisas de produtora teimosa.

Algum tempo antes, ainda fora do clube, reafirmei o que tenho visto nas minhas andanças pelos bailes. As pessoas, suas maneiras de agir, de vestir, de atuar, seus usos e costumes, elas fazem parte de um coletivo muito característico que é o coletivo dos bregueiros. Quando digo bregueiros, não é de forma pejorativa até por que eles próprios se denominam assim, me refiro justamente à sua se distinção: eles frequentam sempre os mesmos clubes, gostam de brega, pagode e forró elétrico (não raro os shows reúnem uma banda de cada ritmo) as mulheres bem vestidas e penteadas se vestem para seduzir, roupas justas, curtas, com brilho, cabelos na escova, chapinha e balaiagem, quando ameaça chover é aquela correria pra não desmanchar o penteado. Os homens invariavelmente de boné, o boné é um caso interessante, acessório antes usado para proteger-se do sol, hoje ele é, junto com o capacete de motoqueiro, uma unanimidade da cabeça dos homens. Já a roupa faz estilo surfista, de preferência estampando uma marca conhecida, mesmo que seja pirata, não importa. Alguns até confessam que compram roupas piratas para usar no dia a dia, mas para ir às festas tem que ser de marca boa e verdadeira. “_Tem que investir pra ganhar as gatinhas”.

Um fenômeno engraçado, só percebido agora que comecei a filmar, é que algumas pessoas (em geral homens) perguntam onde vai passar, por medo que suas mulheres os vejam. “_Pra não queimar meu filme em casa.” Um dos entrevistados assumiu que deixou a mulher em casa e que se ela soubesse que ele estava ali: “_ Ela tora meu pescoço!” Outros fazem questão de fazer poses a jogar os cabelos para aparecer. Existe um sem número de homens que dizem não gostar de Brega, mas vão por causa dos amigos e por que tem muitas mulheres dando sopa. Todos vão dispostos a gastar o que tiver no bolso, se tem R$10, gasta R$10 se tem R$50, gasta R$50, mas se tivesse mais gastariam muito mais.

O animador da festa, geralmente um DJ é um caso a parte, eles chamam os homens de raparigueiros “_Tem raparigueiro ai????” o que nos leva a concluir que as mulheres são??? Raparigas! Claro! “_Levou gaia? Se mude, não deixe seu carro na mesma garagem.” E ainda apela para as torcidas dos times locais para movimentar a noite enquanto a banda não chega: “_Cadê a torcida do Sport???” Tem ainda as gírias, mulher feia: Caça-rato. Quando você não consegue “pegar” gente nova e sempre tem aquela pessoa que no último caso você se atraca: Lanchinho.

Pois é essa semana vai ser cheia... qualquer novidade estarei postando por aqui.
Feliz ano novo a todos.

Fico devendo imagens, mas ainda não sei reduzir a qualidade da minha super câmera FULL HD, com o qual os arquivos são imensos para postar.